segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Lado Esquerdo



Não adianta. Tem dias que a gente acorda certo de que não deve sair da cama. Era uma quarta feira, eu não queria levantar de jeito nenhum mas o dever me chamava. Me olhei no espelho: "Afff... que cara péssima", pensei "vou dar um trato no visual". Não, a preguiça e a vontade impar de não sair de casa não me permitiram criar coragem para me arrumar. "Vou bagunçada mesmo. Foda-se."

Dia de cão no escritório. Esqueci meus óculos. Que infernos de letras de computador! Não enxergava nada, a vista cansada, pedindo arrego. O companheiro informa: "Ganhei dois convites para a inauguração do cinema. Filme e Pipoca na faixa". "Por favor, hoje não!!! Eu estou cega, bagunçada, dolorida, com dor de cabeça... Não...". Ele disse que sairiamos cedo, passariamos na minha casa para eu me arrumar e pegar meus óculos. Como sempre, fui burra de acreditar.

Oito horas da noite. Chegamos ao cinema. Tira foto com o Batman, com o Homem Aranha. Meu Deus, meu humor canino queria destroçar toda aquela gente. Um sentimento de lugar errado, hora errada. Eu era um peixe fora d'água ali. hora de escolher o filme; eu Jean Charles, ele Trama Internacional. Ok, ele ganhou. Enquanto ele ia buscar pipoca, eu ia me sentar e aguardar. Mal sabia eu que a noite do terror estava só começando.

Sala gigante, tela gigante, tudo escuro. Vou sentar lá no fundão, longe de todo mundo. Fui lá e sentei. Casalzinho pegando fogo na minha frente e eu lá, fria que nem sorvete. Inveja, ele podia me chacoalhar assim... Não, não podia. Fiquei observando, eu conhecia aquele gingado, aquele jeito de beijar, de se mexer, de envolver... Eu ja estive ali naqueles braços... Não podia ser, eu me contorcia na cadeira para ter certeza, aquilo não podia estar acontecendo.

O filme, o que passava na tela, passava batido. Meus olhos só viam a cena que eu já vivi, minha mente pensava por que raios eu fui escolher aquele lugar, numa sala tão grande, por que eu aceitei ver aquele filme, com tantos outros bons passando? Eu queria ir embora, olhava insistentemente ao relogio, queria fugir enquanto estava tudo escuro sem ninguem notar. Ele não podia me ver ali, naquelas condições. Não era justo isso. Eu queria dormir na duvida, não precisava ter certeza que era ele.

Alguem passou mal. O filme parou, as luzes se acenderam. Ele levantou e observou curiosamente. Era ele, eu conhecia aquela curiosidade, não havia mudado o jeito depois de anos... Foi meu limite, olhei para o companheiro com ar de inquisidora e bramei "vamos embora AGORA.". Fomos, companheiro com cara de cu, eu com cara de cu. Ao sair olhei pro lado, ele me olhou. Virei a cara e fui embora. Tremia, o estomago na garganta, a cabeça girando. Acabou.

No outro dia, ambos sabiamos o que havia acontecido. Ninguem teve coragem de comentar. Melhor deixar assim, só se machuca quem quer. Fica a lição: Não saia da cama se não estiver bem, nem para comer, nem para ir ao banheiro, nem para respirar. Lembrar de morrer aos poucos abafada nas cobertas. Tentar esquecer o que passou e acreditar que um dia vai dar certo.

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